Brasil Fora da Rota? Geopolítica, logística e o risco de relevância
Por Renzo Bittencourt
Você já se perguntou por que o Brasil, com todo seu potencial logístico, continua fora das principais rotas globais?
Eu tenho pensado muito nisso. Se você atua em supply chain, comércio exterior ou áreas correlatas, talvez essa inquietação também faça parte da sua rotina. Nos últimos anos, ficou cada vez mais evidente que a forma como o mundo se organiza – e se transporta – está mudando. E rápido.
Vivemos uma transição silenciosa, mas profunda. A era da globalização moderna “just-in-time”, que dominou os últimos 30 anos, está ficando para trás. No lugar dela, ganha força uma nova lógica: cadeias de suprimento mais curtas, protegidas, inteligentes e orientadas pela geopolítica. Segurança virou prioridade. Soberania voltou ao vocabulário estratégico. E o mundo está se reorganizando em novos blocos – econômicos, tecnológicos e até logísticos.
E onde o Brasil entra nisso tudo? Bem, essa é a grande questão.
O QUE ESTÁ MUDANDO — E POR QUE ISSO IMPORTA?
A gente sente na prática. Custos mais altos, prazos imprevisíveis, exigências crescentes dos mercados. Mas por trás disso tudo estão movimentos muito mais amplos. Vamos a eles?
1. Disputa entre EUA e China
Não é só comércio. É disputa por tecnologia, rotas, chips e influência global. E nesse embate, países como o Brasil precisam aprender a se posicionar com inteligência – sob o risco de ficarem sem espaço de manobra.
2. Regionalização e a ascensão da Índia
Cada vez mais as cadeias de suprimento estão se reorganizando para ficarem próximas do consumo. A Índia surge como nova potência industrial. E o Brasil, fora desse eixo e com cadeias longas, acaba ficando em desvantagem.
3. Conflitos e instabilidades
Guerra na Ucrânia e Oriente Médio, tensões no Mar Vermelho, riscos no Estreito de Taiwan… tudo isso afeta as rotas que usamos para importar insumos e exportar produtos. Ficamos vulneráveis – e caros.
4. Corrida por matérias-primas estratégicas
Fertilizantes, APIs, minerais críticos. O mundo inteiro está se movendo para garantir o acesso a esses recursos. E nós, que somos exportadores de muitos deles, ainda não sabemos usar isso como alavanca estratégica.
5. ESG e rastreabilidade como filtro de acesso a mercados
Aqui não tem mais volta. Se não atender aos padrões de sustentabilidade, rastreabilidade e boas práticas, o produto brasileiro simplesmente não entra nos mercados mais exigentes.
E QUANTO À NOSSA INFRAESTRUTURA PORTUÁRIA?
Aqui vale a honestidade: temos sim uma posição geográfica estratégica. Mas o que adianta ter a localização se a operação trava?
Você, que já viveu uma liberação demorada, uma fila de caminhões no cais, ou um contêiner esperando espaço, sabe do que estou falando. Nossos portos ainda enfrentam:
- Baixo nível de automação;
- Concentração em poucos terminais, como Santos e Paranaguá;
- Infraestrutura defasada, que não comporta navios de nova geração;
- Burocracia aduaneira e gargalos de integração intermodal.
Enquanto isso, Qingdao, Rotterdam e Singapura avançam com portos autônomos, painéis em tempo real, roteirização dinâmica e sensores inteligentes. E a pergunta que fica é: estamos prontos para competir com isso?
O QUE JÁ É REALIDADE LÁ FORA
Não é futuro, é presente:
- Guindastes autônomos sem intervenção humana;
- Inteligência artificial para prever gargalos e eventos climáticos;
- Planejamento logístico em tempo real;
- Dashboards que integram navio, transporte e armazenagem;
- Rastreamento ponta a ponta com IoT.
O descompasso do Brasil nesse cenário amplia nosso “Custo Brasil” e compromete nossa previsibilidade. E quando não oferecemos previsibilidade, perdemos espaço – ou viramos última opção.
MAS E AÍ? O QUE DÁ PARA FAZER?
Conversando com colegas do setor, a sensação é quase unânime. O que o Brasil precisa fazer, com urgência:
- Conectar a infraestrutura: mais do que construir novas vias, precisamos conectar os ativos existentes. Integrar portos, ferrovias, rodovias e aeroportos como uma rede logística inteligente e digitalizada.
- Unificar a governança: alinhar Receita, Anvisa, Ibama e demais órgãos para agir como sistema, com foco em resolutividade.
- Atrair investimento com visão de futuro: incentivar hubs regionais e soluções com IA, automação e rastreabilidade.
E SE A GENTE NÃO FIZER NADA?
A janela está aberta, mas não por muito tempo. E o mundo não vai esperar a gente embarcar. Essa não é uma crítica catastrófica. É um alerta de quem trabalha com logística, vive comércio exterior e acredita no potencial do Brasil.
A logística do futuro será automatizada, inteligente e interconectada. O Brasil não pode mais apenas embarcar carga. Precisa embarcar com estratégia, precisão e conectividade.
E se você chegou até aqui, talvez signifique que essa inquietação também é sua. A pergunta agora é: vamos continuar observando – ou começar a liderar?




