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Fraldas descartáveis e segurança do usuário: o que diz a legislação brasileira e quais testes são essenciais

Por Graziele Franca, gerente de Qualidade da Bracell Papéis Nordeste

As fraldas descartáveis fazem parte da rotina de milhões de pessoas, especialmente bebês e idosos. Embora sejam consideradas itens de higiene, seu contato contínuo e direto com a pele exige cuidados típicos de produtos cosméticos ou até mesmo de dispositivos médicos. Mas o que a legislação brasileira exige para garantir a segurança desses produtos? Quais testes precisam ser feitos? E como as empresas podem se preparar?

Neste artigo, explicamos os principais requisitos regulatórios da Anvisa (com base nas RDC nº 48/2013 e RDC nº 640/2022) e os testes fundamentais para garantir segurança e desempenho das fraldas descartáveis — do chão de fábrica até o consumidor final.

PRODUTOS DE HIGIENE COM REQUISITOS DE COSMÉTICO?

Mesmo não sendo cosméticos no sentido tradicional, fraldas descartáveis têm muito em comum com eles: contato direto com a pele, potencial uso prolongado, presença de fragrâncias e risco de reações cutâneas. Por isso, os órgãos reguladores tratam esses produtos com bastante atenção, exigindo comprovação de qualidade, segurança e eficácia.

No Brasil, a Anvisa estabelece normas específicas para esse tipo de produto, como:

RDC nº 640/2022: a norma principal para fraldas descartáveis

Publicada em 2022, essa norma dispensa o registro sanitário de fraldas, mas exige comunicação prévia à Anvisa antes de colocar o produto no mercado.

Além disso, ela determina:

  • Limites microbiológicos claros, com ausência obrigatória de patógenos como coli, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e Candida albicans em amostra de 10g;
  • Laudos técnicos de segurança e avaliação toxicológica do produto e de suas matérias-primas (ex: fragrâncias devem seguir os critérios da IFRA);
  • Obrigatoriedade de testes de segurança, caso não haja comprovação da segurança dos insumos utilizados;
  • Validade da notificação: 10 anos, com possibilidade de renovação.

A RDC 640 também obriga a empresa a manter um parecer técnico de segurança, contendo os estudos realizados e justificativas sobre o uso de cada material.

Essa norma busca garantir que produtos descartáveis de uso externo não representem riscos à saúde dos usuários, sobretudo no que diz respeito à toxicidade cutânea, carga microbiana e estabilidade.

RDC nº 48/2013: boas práticas na fábrica

A RDC nº 48/2013 é referência para garantir que o processo de produção seja controlado, padronizado e seguro. Embora seja voltada principalmente a cosméticos e perfumes, muitos de seus princípios se aplicam também à fabricação de fraldas.

Entre os pontos de destaque:

  • Estrutura física adequada, com controle de fluxo de pessoas e materiais;
  • Qualificação de fornecedores e matérias-primas;
  • Procedimentos operacionais padronizados (POPs);
  • Validação de processos e equipamentos;
  • Rastreabilidade de cada lote;
  • Controle de qualidade físico-químico e microbiológico.

Para fabricantes, aplicar as BPF é uma estratégia que reforça o compromisso com qualidade, além de ajudar em eventuais auditorias ou fiscalizações.

QUAIS TESTES SÃO EXIGIDOS?

Os testes necessários para fraldas descartáveis podem ser divididos em três grandes grupos:

  1. Testes de Segurança Biológica (Toxicidade e Compatibilidade com a Pele)

Essenciais para garantir que o produto não cause irritação ou alergias.

  • Irritação cutânea primária: contato único com a pele para verificar reações;
  • Irritação cutânea repetida: exposição contínua ou cumulativa;
  • Sensibilização dérmica: avaliação de potencial alérgico do produto;
  • Teste de migração: verifica se componentes químicos migram da fralda para a pele.

Esses testes são especialmente importantes se forem usadas fragrâncias, corantes, adesivos ou polímeros com potencial alergênico.

  1. Testes Microbiológicos

Verificam a ausência de contaminação no produto acabado.

  • Contagem total de microrganismos aeróbios viáveis;
  • Ausência de patógenos específicos;
  • Testes em amostras representativas de lote (geralmente 10g).
  1. Testes Físicos e de Desempenho

Avaliam a eficácia funcional da fralda, como retenção e conforto.

  • Capacidade de absorção total;
  • Velocidade de absorção (acquisition time);
  • Teste de reumidificação (rewet);
  • Resistência a vazamentos;
  • Resistência mecânica (força de adesivos, barreiras, abas);
  • Teste de migração de líquidos e estabilidade dimensional.

Esses testes são fundamentais para validar o desempenho esperado e garantir que o produto suporte ao uso prolongado, especialmente em bebês ou pacientes acamados.

BOAS PRÁTICAS PARA O SETOR

Para empresas que atuam no setor de fraldas descartáveis, vale seguir algumas recomendações:

Durante o Desenvolvimento:

  • Escolha matérias-primas com documentação técnica e laudos de segurança;
  • Faça o planejamento dos testes obrigatórios ainda na fase de formulação;
  • Documente todas as justificativas técnicas, especialmente para fragrâncias e aditivos.

Na Produção:

  • Siga os princípios das Boas Práticas de Fabricação;
  • Mantenha registros completos de processos, testes e liberações de lote;
  • Implemente um sistema de rastreabilidade confiável.

Após o Lançamento:

  • Tenha um canal estruturado para receber reclamações e notificações de consumidores (SAC);
  • Realize testes de estabilidade e shelf life para garantir a qualidade durante toda a validade;
  • Esteja preparado para auditorias ou fiscalizações da Anvisa.

As fraldas descartáveis estão longe de ser produtos simples. Elas envolvem interações complexas com a pele, controle microbiológico, exigência de desempenho e responsabilidade regulatória. Para garantir a segurança do consumidor e evitar problemas legais ou comerciais, é fundamental seguir as orientações das RDCs nº 640/2022 e nº 48/2013, além de executar todos os testes adequados.

Em um mercado cada vez mais exigente e competitivo, a segurança e a qualidade são diferenciais estratégicos — tanto para empresas estabelecidas quanto para novos players que desejam inovar no setor de higiene descartável.

O QUE PODE OCORRER COM O NÃO CUMPRIMENTO?

O descumprimento dessas RDCs pode gerar uma série de consequências legais, sanitárias e comerciais para a empresa, além de comprometer diretamente a saúde dos usuários. A seguir, detalhamos os principais impactos:

  1. Sanções Regulatórias Imediatas
    • Interdição da fábrica ou de linhas de produção;
    • Suspensão ou cancelamento da Autorização de Funcionamento da Empresa (AFE);
    • Apreensão e recolhimento de produtos irregulares do mercado;
    • Multas previstas na Lei nº 6.437/77, que podem ser significativas;
    • Perda do registro sanitário dos produtos junto à Anvisa.
  2. Riscos à Saúde do Consumidor
    • Produtos contaminados por micro-organismos, gerando infecções ou dermatites;
    • Exposição a substâncias químicas não controladas ou irritantes;
    • Falhas funcionais (como vazamento), que afetam o conforto e a dignidade dos usuários;
    • Maior risco em públicos vulneráveis, como neonatos, idosos e pacientes com mobilidade reduzida.
  3. Impactos na Qualidade do Produto
    • Ausência de controle de qualidade adequado durante a produção;
    • Falta de validação dos processos produtivos;
    • Inexistência de ensaios de compatibilidade com a pele ou de testes de absorção.
  4. Prejuízos Comerciais e Reputacionais
    • Perda de contratos com redes de varejo e distribuidores;
    • Custos elevados com recall e descarte de produtos não conformes;
    • Comprometimento da imagem da marca junto aos consumidores;
    • Dificuldade para exportação, já que muitos países exigem boas práticas auditadas.
Foto: Cortesia de Graziele Franca

POR QUE CUMPRIR AS RDCS É ESTRATÉGICO?

Mais do que uma obrigação legal, o cumprimento das RDC 48 e 640 deve ser visto como um diferencial competitivo. Empresas que atuam dentro das Boas Práticas demonstram comprometimento com a segurança do consumidor, com a sustentabilidade do negócio e com a qualidade da cadeia produtiva.

A implementação de auditorias internas, planos de rastreabilidade, validação de processos e treinamentos regulares é essencial para manter a conformidade e a confiança do mercado.

No segmento de fraldas descartáveis, não cumprir os requisitos regulatórios não é uma opção. As consequências são amplas, graves e podem comprometer a viabilidade do negócio. Investir em conformidade com a RDC 48 e RDC 640 é proteger não apenas o consumidor, mas a própria reputação e sustentabilidade da empresa.

No próximo mês falaremos um pouco mais sobre o tema, trazendo os principais Documentos e Registros para a conformidade regulatória, uma Matriz de Risco com os principais pontos a serem abordados e a importância da Gestão do Plano de Ação para os riscos identificados.

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Graziele Franca

Graziele Franca é Engenheira de Produção Mecânica, pós-graduada em Gestão de Projetos e Gestão da Qualidade, com mais de 18 anos de experiência em bens de consumo, atuando em empresas como Kimberly-Clark, Softys, Carta Fabril, Bracell e Mercado Livre. Atualmente é Gerente de Qualidade na Bracell Papéis Nordeste, ampliando sua formação em Farmácia e Assuntos Regulatórios para a Indústria Cosmética.
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